"Rede de influências: uma amostra dos intercâmbios de estilo
Consultoria Ana Fridman
O que artistas com produções tão distintas como o maestro
Heitor Villa-Lobos, a banda The Beatles, a compositora Chiquinha Gonzaga e o
cantor Bobby McFerrin têm em comum? Eles deixaram de lado concepções rígidas
sobre o fazer artístico para produzir obras que misturam influências, diluindo
a já tênue fronteira que separa o popular do erudito na música. Mostrar o
diálogo entre os dois estilos para os alunos revela que existe um universo
musical a ser explorado, não apenas o que chega pelos círculos de influência
social e pela mídia.
Essa abordagem, além de aproximar o repertório que o docente
pretende trabalhar das referências comuns da turma, ajuda a quebrar
preconceitos: se por um lado as manifestações populares são muitas vezes
subestimadas, a música de concerto também recebe conotação negativa, pois é
considerada uma arte inacessível. "Apresentar obras que não são nem uma
coisa nem outra para provocar a discussão faz as crianças chegarem a uma
elaboração sobre erudito e popular, que é melhor do que dar conceitos
prontos", afirma Maria Paula Zurawski, artista da Cooperativa Paulista de
Teatro e do Grupo Furunfunfum de teatro.
De modo geral, o erudito é atribuído às produções
consideradas sérias enquanto o popular englobaria as voltadas ao
entretenimento. Porém, é comum uma obra mudar de categoria com o tempo.
"No passado, as suítes de Bach eram dançadas na corte. Só depois viraram
peças de concerto", diz Enny Parejo, docente em didática para o ensino
musical da Faculdade Cantareira. Além disso, essa categorização não dá conta de
traduzir a permeabilidade das influências mútuas que sempre marcou a criação
musical (veja exemplos no infográfico acima). "Em vários momentos,
esbarramos em hibridismos", diz Ana Fridman, pesquisadora do Núcleo
Interdisciplinar de Comunicação Sonora (Nics) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
Os artistas citados no início deste texto são provas disso.
Já famosos, os Beatles pesquisaram diferentes tradições musicais, o que
refletiu no uso de orquestração sinfônica e de sons indistintos repetidos em
intervalos constantes, como nas faixas A Day in the Life e Straw-berry Fields
Forever. Isso impulsionou o nascimento do rock progressivo e do rock sinfônico,
gêneros que usam elementos da música sinfônica. Já Bobby McFerrin, depois de
cativar o público com a canção Dont’t Worry, Be Happy, em que usa apenas a boca
para fazer todos os sons que compõem a música, retornou a suas raízes eruditas.
No caso de Chiquinha Gonzaga, a formação em piano clássico
foi utilizada para compor choros, maxixes e polcas, todos ritmos populares.
"O interessante é que ela traz essas duas influências bem claras. O tango
Suspiro deixa a dúvida se é erudito ou popular", analisa Ana. Já o maestro
Heitor Villa-Lobos, para criar um repertório de concerto brasileiro, misturou
orquestração a ritmos e instrumentos colhidos da tradição popular e folclórica
na composição de seus temas.
Toda essa fusão, entretanto, não significa que cada estilo
não tenha especificidades. O erudito costuma se caracterizar por um maior apuro
técnico, marcado pelo estudo mais detalhado de seus elementos, como a melodia e
a harmonia. Outro traço marcante são as apresentações formais e pautadas na
notação musical, em que valoriza-se o rigor na reprodução do que indica a
partitura - diferentemente da tradição popular, com espaço para improvisações,
em que os músicos buscam imprimir sua marca pessoal na hora de tocar. Há,
ainda, estilos que conjugam ambas as características, como o jazz sinfônico,
que une a orquestra às invenções das big bands de jazz".
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